A CEGUEIRA DA IMPRENSA AGORA TEM MÉTODO

11/09/2021 19:07

A CEGUEIRA DA IMPRENSA AGORA TEM MÉTODO

Parece que, quando o fato entra pela porta, os jornalistas da velha mídia saem desesperados pela janela

Por Pedro Henrique Alves – Revista Oeste

Terça-feira, 7 de Setembro, dia de manifestações e, principalmente, dia de comemorar a Independência do Brasil, foi uma data reflexiva para mim — mas não por apoiar alguma pauta pró-Bolsonaro ou contra o presidente. Na realidade, tento me afastar dessas “muvucas” ideológicas. O que avaliei no Dia da Independência foi quanto o chamado fato — objeto puro do jornalismo — deixou de ser apreciado pelas grandes instituições de informação do país. Parece que, quando o fato entra pela porta, os jornalistas da mídia tradicional saem desesperados pela janela. A realidade se tornou subversiva para esses roteiristas da verdade.

Não sou jornalista — eis outro fato —, mas entendo que, embora o jornalismo não necessariamente exija conhecimentos metafísicos nem dominância poética de conceitos transcendentais, ele é digno, pois carrega a nobre missão de comunicar a realidade, o que, por si só, já é muito. Ele reivindica de seus profissionais um preparo intelectual e uma abnegação de caráter a fim de informar o que acontece, e não o que e como gostariam que acontecesse. Ser jornalista não é coisa para pessoas moralmente fracas. Abster-se de suas tendências para oferecer heroicamente a realidade para a interpretação de cada indivíduo requer uma certa castidade ética. Não que não exista espaço para a opinião no jornalismo, mas não estamos agora discutindo colunas, gostos, cores ou tendências. Falo de notícias, fatos. Uma opinião não deveria jamais se sobrepor à realidade quando estamos no caderno de notícias.

Dia 7, entre uma tarefa familiar e outra, sentava-me para acompanhar as manifestações e, por isso, fiquei relativamente preso ao meu Twitter durante o dia todo — até o momento em que minha mulher ameaçou nosso casamento caso não desligasse o smartphone. Até esse entrevero, acompanhei estupefato, não as colossais manifestações e evidente revolta popular contra as arbitrariedades do STF, mas sim “uma manifestação antidemocrática”, segundo a GloboNews. Acompanhei jornalistas dizendo que a manifestação tinha sido um fiasco, com um número pífio de adeptos. Confesso que fiquei até desconcertado, a famosa “vergonha alheia”. Discutir ideias, mesmo acreditando em ideias idiotas, é algo possível. Mas brigar com imagens de vídeo que davam conta de uma Avenida Paulista lotada, isso beirava à psicose. É o que o filósofo alemão Eric Voegelin chamou de “sacrificium intellectus”, o ato de deliberadamente sacrificar a lógica e o raciocínio crítico em prol de uma narrativa ideológica.

Porém, preciso fazer uma ressalva honrosa a dois jornalistas, Hugo Marques e Rafael Moraes Moura, da revista Veja, que tiveram a coragem de expor o fato pelo fato, num texto intitulado “Bolsonaristas massacram oposicionistas em número de manifestantes”, relatando a diferença colossal de manifestantes “bolsonaristas” e “esquerdistas” em Brasília. E vejam, isso não é fato por ser “um massacre” bolsonarista, é fato pois foi o que aconteceu. Pode soar estranho a alguns ouvidos ter de relatar o que aconteceu, mas isso é o tal do “noticiamento”.

Voltemos, contudo, ao status quo jornalístico atual. As câmeras da mídia tradicional caçavam frenéticas os cartazes com dizeres golpistas do ato pró-governo. Sim, elas existiam, e não foram poucas — diga-se de passagem. No entanto, as mesmas câmeras pareciam desviar rapidamente das mensagens que apontavam a sanha tarada de Alexandre de Moraes em prol da censura descarada que vem emplacando. Censura essa que talvez seja a principal causa de todo esse movimento do último dia 7. E aqui está o real problema: o duplo padrão moral, a evidente militância ideológica das redações.

Manifestações do 7 de Setembro na Paulista | Foto: Roberto Casimiro e Vicent Bosson/Estadão Conteúdo

Eles analisavam e molestavam afoitamente — como hienas famintas — cada vírgula do discurso do presidente, destacavam as frases duras e realmente nada democráticas proferidas pelo líder do Executivo; mas convenientemente se calavam ante a mais dois atos escabrosos do ministro Moraes que estavam sendo perpetrados no exato momento das manifestações. O primeiro foi a condução coercitiva de Jason Miller, conselheiro de Donald Trump e CEO da rede social Gettr, levado pela Polícia Federal sem nenhum motivo aparente para prestar depoimento num quartinho no Aeroporto de Brasília. Segundo uma entrevista concedida por ele ao programa Os Pingos nos Is, da rádio Jovem Pan, Miller foi impelido a assinar um documento expedido por Alexandre de Moraes, mesmo sem conhecer seu conteúdo e sem ter um intérprete oficial para ajudá-lo. Os policiais — que não falavam absolutamente nada em inglês — insistiram diversas vezes para que assinasse sem ler, até ele acionar a embaixada americana e conseguir assistência jurídica. Isso lhe parece democracia, caro leitor? A mim parece uma cena daqueles filmes de espiões, misturados com besteirol, típicos da década de 1990.

E o segundo ato do censor togado foi expedir o quarto mandado de prisão contra Oswaldo Eustáquio, que estava no México, sem nenhum motivo mais ou menos convincente para justificar a detenção. Sim, Moraes mandou prender, pela quarta vez, um jornalista independente, e aleijado.

Quanto mais juram ardorosamente defender a democracia, mais fortemente se fecham aos fatos

Enquanto isso, a mídia engajada e socialmente fofa, ansiosa em caçar nazistas e fascistas de 80 anos na Paulista, novamente fazia cara de paisagem, relatava rapidamente, ou se calava completamente, ante uma Corte que prende deputados, jornalistas e faz toda sorte de malabarismos antidemocráticos para justificar seus inquéritos ilegais e uma fantasmagórica democracia de bordel.

Esse silêncio complacente, patrocinado por jornalistas militantes, o qual esconde como maquiagem rala a tirania do STF, traz à tona algo que talvez seja quase inédito por essas bandas: a autocensura midiática. Durante o regime militar, os coronéis da borracha ditavam as partes de um jornal que não deviam ser publicadas, assuntos intocáveis, ideias e pessoas que não poderiam ser criticadas. Hoje, quem coloca essa tarja são os próprios editores e jornalistas. Beira o masoquismo. Uma espécie de algofilia psicótica da mídia progressista. Porém é algo orquestrado, não se enganem. Quanto mais juram ardorosamente defender a democracia, mais fortemente se fecham aos fatos, agarram-se às suas ideologias e, quiçá, a seus patrocinadores inauditos.

É a mídia acariciando o autoritarismo que lhe convém, escolhendo a ditadura que lhe agrada. Ora, o mesmo canal que chamou as manifestações na Paulista de “antidemocráticas” ostentou, nas manifestações vermelhas concorrentes, a frase: “Protesto em São Paulo em defesa da democracia”. Tudo isso enquanto um bandeirão vermelho exibido pela câmera da referida TV estampava a frase: “Em defesa da revolução da ditadura do proletariado”. Seria engraçadíssimo se não parecesse doença.

Foto: Reprodução/Globonews

O desespero das redações é evidente, mas a população brasileira, em sua maioria, não parece mais comprar essa narrativa. Sebastião não acredita que Sérgio Reis seja uma ameaça à democracia, que esteja liderando uma turba de peões golpistas, não importa quantas entonações emotivas sejam encenadas no Jornal Nacional. Zé Trovão não perece ser nenhum revolucionário nazista. E nem Eustáquio parece liderar um grupo de terroristas prestes a explodir o STF.

A tese da mídia não cola. A dona Ana não acredita que exista uma rede de malvadões paramilitares articulados num grupo de WhatsApp. Nas filas dos supermercados, não são as narrativas do UOL que são repetidas, e, nos bares, não são os enredos do STF que são defendidos. O jornalismo tradicional não molda mais tão facilmente a opinião popular. E ele não está sabendo lidar com isso. Por essa razão, tem de apostar mais alto, dobrar a insanidade, apontar uma rede de fake news jamais vista, liderada supostamente por tias e tios que dividem seu tempo entre apoiar o Bolsonaro na internet e alimentar gatos.

Hoje, a população entende por que a maioria acredita em algo, e a classe burocrática emplaca outra pauta. O cidadão comum sabe quem sãos os jogadores dessa partida política, o que faz com que sejam dispensáveis tais interpretações filtradas pelas lentes da mídia militante. Mesmo depois de três anos de propaganda maciçamente antibolsonarista, São Paulo e Brasília foram tomadas. Diminuir o que aconteceu no dia 7 é um ato de desespero, é como ser achado completamente nu e fingir estar vestido.

A democracia está ameaçada, sim; esse é aquele entendimento comum que nos une. Mas a pergunta de ouro que os analistas do mainstream se negam a fazer é a seguinte: quem a ameaça? Quem se dedica a tencionar a corda democrática? Hoje, você está mais próximo de ser preso por criticar o presidente ou o ministro careca?

Não há santos nesses jogo, e o perigoso populismo do presidente é real e deve ter sua parcela de crítica. Mas quem está prendendo deputados por opiniões, detendo ex-assessores políticos americanos sem nenhuma razão, atando a boca e as mãos de jornalistas independentes, sabe-se lá Deus o porquê, não é o Bolsonaro. E isso não é opinião, isso é fato. O silêncio absurdo do jornalismo ante essa realidade é cada vez mais medonho. É o que o espanhol José Ortega Y Gasset chamava de “acanalhamento”, o ato consentido de abandonar a realidade para decorar suas vontades e mentiras.

Depois do 7 de Setembro, muitos comentaristas da grande mídia fizeram uma análise da “corda institucional” que está “cada vez mais esticada”, mas são realmente poucos que se dignificaram à independência política de citar o emaranhado de vergonhas e ilegalidades no qual o STF se empolou. Hoje, a maioria da velha mídia é um canal servil de um progressismo antidemocrático. Por isso, devemos estar cientes de que a democracia por ela apregoada não passa de uma narrativa para encher folhas digitais e acariciar poderosos. Esta é uma verdade que muito provavelmente você nunca lerá no UOL.