Artigo: MAX Weber e o espírito do capitalismo

17/12/2018 09:46

MAX Weber e o espírito do capitalismo

Por Bruno Gabriel - https://www.administradores.com.br/

Para muitos o capitalismo sempre foi um sistema atrelado à contemporaneidade - uma consequência da vigente forma de se viver - o que a maior parte das pessoas entendem por capitalismo, para ser cortês, resume-se nesta equação: capitalismo=consumismo impulsivo+geração de lucros+exploração. Por ora, os elementos da equação acima, fazem sentido, contudo, como diz Weber (p. 5) "não se identifica, nem de longe, com o capitalismo". Weber foi um intelectual, jurista e economista alemão considerado um dos fundadores da Sociologia, e apresenta-nos o capitalismo sobre um ângulo diferente, capaz de responder a uma série de indagações. De uma forma simples, todo seu estudo sobre o capitalismo pode ser simplificado pelo título de seu livro: "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo".

O que é de fato o capitalismo, uma ética ou um sistema? Quem originou quem? Em que momento da história? Estas são algumas das perguntas que Max Weber tentou responder, e de fato, encontrou hipóteses compatíveis. A verdade, é que Weber, a primeiro instante, notou uma diferença significativa entre a cultura ocidental e a cultura oriental, que mais tarde, traria as respostas para seus estudos. Figurativamente, teríamos o ocidente com sua busca pela racionalização universal da verdade, caminhando para o lado esquerdo do plano; em contraparida, o oriente estaria caminhando para o lado direito do plano, com sua busca contempladora. O ponto chave, é que Weber também evidenciou, que o capitalismo ocidental mostrara distinções em relação ao ocidental.

Ao estudarmos qualquer problema da história universal, o produto da moderna civilização européia estará sujeito à indagação de quais combinações de circunstâncias se pode atribuir o fato de na civilização ocidental, e só nela, terem aparecido fenômenos culturais que, como queremos crer, apresentam uma linha de desenvolvimento de significado e valor universais. (WEBER, p. 3).

A primeira rotina que Max Weber afasta, é aquela que dita que o capitalismo é o desespero pela busca de lucro, próximo da ambição e da ganância. Como resultado, você não é capitalista apenas por consumir imoderadamente determinados produtos, o fato de você querer rotular-se com roupas de grife e carros de luxo, não te faz um capitalista de verdade. Conforme Weber (p. 5) diz: "a ganância ilimitada de ganho não se identifica, nem de longe, com o capitalismo, e menos ainda com seu 'espírito'”. Mas então, o que é o capitalismo? O primeiro vestígio que Weber deixa sobre a definição de capitalismo, está codificado na seguinte afirmação: "o capitalismo, pode eventualmente se identificar com a restrição, ou pelo menos com uma moderação racional desse impulso irracional."

Logo, a fim de não produzir suspense, o capitalismo weberiano pode ser entendido como toda ação orientada por uma dose racional apurada, calculada. Ora, a título de exemplo, tem-se como capitalista aquele que pratica um esporte, não por prazer ou contemplação, e sim por tentativa de melhorar sua eficiência física. Há de se pensar também, que no âmbito empresarial, uma parcela supostamente não age com plena racionalização, no entanto, "quando a transação é racional, o cálculo é a base de toda ação individual dos parceiros. O fato de poder não existir um cálculo realmente preciso de o procedimento ser mera adivinhação ou simplesmente tradicional e convencional ocorre ainda hoje em todas as formas de empreendimento capitalista nas quais as circunstâncias não exijam grande precisão. Contudo, esses pontos afetam apenas o grau da racionalidade da aquisição capitalista." (WEBER, p. 6).

Para explicar com mais clareza o que é este capitalismo baseado na racionalização, Weber faz uso do famoso texto de Benjamin Franklin, "Time is money", "Lembre-se que o tempo é dinheiro.  Lembre-se que o crédito é dinheiro.  Lembre-se do ditado: O bom pagador é dono da bolsa alheia.  As menores ações que possam afetar o crédito de um homem devem ser levadas em conta. Isto mostra, entre outras coisas, que estás consciente daquilo que tens; fará com que pareças um homem tão honesto como cuidadoso, e isso aumentará teu crédito. Não te permitas pensar que tens de fato tudo o que possuis, e viver de acordo." (WEBER, p. 19).

Logo, de fato, o que nos é aqui pregado não é apenas um meio de fazer a própria vida, mas uma ética peculiar. Todavia, em que momento surgiu esta ética? É a partir deste ponto, que Max Weber começa a estabelecer a relação indêntica entre a ética capitalista, e a ética protestante, com ênfase no Calvinismo. De outra forma a influência de certas idéias religiosas no desenvolvimento de um espírito econômico, ou o ethos de um sistema econômico. Nesse caso estamos lidando com a conexão do espírito da moderna vida econômica com a ética racional da ascese protestante. Diante disso, para entender como surgiu este espírito do capitalismo, torna-se necessário compreender alguns fundamentos da ética religiosa protestante.

O primeiro deles é que o anuncia que "o único modo de vida aceitável por Deus não era o superar a moralidade mundana pelo ascetismo monástico, mas unicamente o cumprimento das obrigações impostas ao indivíduo pela sua posição no mundo. Esta era sua vocação." (WEBER, p. 34). Weber também acrescenta, que a Reforma Protestante teve como efeito a transfiguração do trabalho que deveria ser realizado como vocação. Mas qual era a vocação do calvinista? Dentro do Calvinismo "a busca do indivíduo no âmbito da profissão concreta, foi por ele entendida cada vez mais como um mandamento divino especial, para o cumprimento dos deveres que lhe foram impostos pela vontade divina." (WEBER, p. 37), além disso, o calvinista olhava todos os sentimentos e emoções puros com desconfiança, fortalecendo cada vez mais seu espírito racional.

Em conformidade com Weber (p. 74), eis o ideal calvinista: "o homem sobre a terra deve, para ter certeza deste estado de graça, trabalhar naquilo que lhe foi destinado, ao longo de toda sua jornada. Não são o ócio e o prazer, mas só a atividade que serve para, aumentar a glória de Deus, conforme a clara manifestação de Sua vontade. A perda de tempo é pois, em princípio, o mais funesto dos pecados. A perda de tempo na vida social, em conversas ociosas, em luxos e mesmo em dormir mais que o necessário para a saúde, de seis até o máximo de oito oras, é merecedora de absoluta condenação moral.”  Weber também observa, que o trabalho, para o calvista, viria a ser a própria finalidade da vida, assim, “'quem não trabalha não deve comer'" valem incondicionalmente para todos. A falta de vontade de trabalhar é sintoma da falta de graça.” (WEBER, p. 75).

Ora, há de ser argumentar, mas a riqueza não seria um pecado? Conforme Weber (p. 77), "a riqueza seria eticamente má apenas na medida em que venha a ser uma tentação para um gozo da vida no ócio e no pecado, e sua aquisição seria ruim só quando obtida como propósito posterior de uma vida folgada e despreocupada."  Logo, toda riqueza gerada não poderia ser gasta com bens luxuosos, o que fez os calvinistas reinvistirem no trabalho, gerando mais e mais riquezas. Outro ponto relevante, é o de que "querer ser pobre era, como foi mencionado várias vezes, o mesmo que querer ser doente; era reprovável em relação à glorificação do trabalho e derrogatório quanto à glória de Deus." (WEBER, p. 77).

Quando a limitação do consumo é combinada com a liberação das atividades de busca da riqueza, o resultado prático inevitável é óbvio: o acúmulo de capital mediante á impulsão ascética para a poupança. As restrições impostas ao gasto de dinheiro, serviram naturalmente para aumentá-lo, possibilitando o investimento produtivo do capital. Infelizmente, o quanto esta influência foi poderosa, não é passível de demonstração estatística exata. (WEBER, p. 81).

Diante disso, pode-se aferir que segundo Weber, o capitalismo não é e não surgiu de um sistema, ao contrário, ele ergueu-se de uma ideia, de uma ética protestante, de uma forma de pensar, o lhe garante a existência de um espírito, de uma ética capitalista. Por fim, "surgiu uma ética econômica especificamente burguesa. Com a consciência de estar na plenitude da graça de Deus e visivelmente por Ele abençoado, o empreendedor burguês, desde que permanecesse dentro dos limites da correção formal, que sua conduta moral estivesse intacta e que não fosse questionável o uso que fazia da riqueza, poderia perseguir seus interesses pecuniários o quanto quisesse, e sentir que estava cumprindo um dever com isso. Além disso, o poder do ascetismo religioso punha lhe à disposição trabalhadores sóbrios, conscienciosos e extraordinariamente ativos, que se agarravam ao seu trabalho como a um propósito de vida desejado por Deus." (WEBER, p. 84).

Referências:

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Companhia das Letras, 2004.