Carta ao leitor - Revista da Semana - Capa da Semana

30/07/2021 12:00

CARTA AO LEITOR

Do sistema de saúde de Cuba aos golpes que Bolsonaro planeja diariamente, como é a matrix que a esquerda brasileira insiste em enxergar

Redação – Revista Oeste

Numa das cenas memoráveis do filme Matrix, dirigido por Lilly Wachowski e Lana Wachowski, o protagonista Neo (Keanu Reeves) enfim encontra o lendário hacker Morpheus (Laurence Fishburne), que lhe oferece duas pílulas. A azul fará com que ele acorde acreditando no que quiser acreditar. A vermelha, explica Morpheus, levará Neo ao País das Maravilhas, “para que descubra até onde vai a toca do coelho”. “Tudo o que ofereço é a verdade. Nada mais.”

Ao contrário de Neo, boa parte da esquerda brasileira parece optar sempre pela pílula azul. Assim, pode-se continuar enxergando o mundo imaginário forjado para ocultar a realidade. Cuba, por exemplo, ainda é tratada como um país em que os sistemas de educação e saúde são universais e alcançam um nível de qualidade de dar inveja ao mais exigente suíço. Nessa Pasárgada socialista o povo se manifesta livremente nas ruas, não há presos políticos e ninguém foge rumo a nações democráticas.

Essas e outras crendices são fulminadas pelo documentário Cuba e o Cameraman, de Jon Alpert. Disponível na Netflix, foi lançado em 2017 nos Estados Unidos, mas só chegou recentemente ao Brasil. Tema da reportagem de capa desta edição de Oeste, escrita por Augusto Nunes, o desfile de imagens e diálogos resgata 40 anos da Era Castro. E mostra Cuba como ela é.

Outro pedaço desse mundo imaginário emerge no artigo de J. R. Guzzo. “É possível ler pelo menos uma vez por dia que a democracia no Brasil está correndo os riscos mais sérios de sua história neste preciso momento”, escreve Guzzo. Quem quer dar o golpe? “O presidente, que só continuará a ser presidente se ganhar a eleição de 2022, ou quem nega a ele, em qualquer circunstância, o direito de se reeleger?” Você sem dúvida saberá responder.

É também essa deformação da realidade que induz uma tropa minúscula de militantes a tentar difundir o uso da chamada “linguagem neutra”. O tema seria ridículo demais para merecer atenção se não começasse a ser infiltrado em peças publicitárias de empresas privadas, como o Burger King e o McDonald’s, no material de divulgação da abertura do Museu da Língua Portuguesa e até em desenhos infantis da Netflix. É o que mostra a reportagem do editor-assistente Cristyan Costa.

O tema também é abordado por Rodrigo Constantino. “Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força. Tudo é todes, daria para acrescentar hoje”, escreve o colunista de Oeste ao lembrar o que era o duplipensar, eternizado na distopia 1984, de George Orwell. “‘É a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e aceitá-las ambas.’ O objetivo das autoridades seria a destruição do pensamento independente.”

Oeste e seus leitores — e leitoras — escolheram que pílula tomar faz tempo. Não é fácil. Mas vale a pena viver fora da matrix.

Boa leitura.

Branca Nunes

Diretora de redação