Faça pausas no seu dia, se desconecte de tudo

13/02/2022 02:06

O QUE OS PADRES DO DESERTO PODEM ENSINAR AOS CRISTÃOS DA CIDADE

Por Gesse Silva

Você acordou hoje pela manhã, e deixe-me adivinhar: Olhou o celular para ver as notificações das redes sociais, mensagens no WhatsApp, notícias no Twitter, eventos em sua agenda, etc. Acertei? Aí depois de tomar café você foi para seus compromissos (estudos, trabalho, afazeres) em mais um dia repleto de reuniões, problemas para resolver, metas para bater, demandas para suprir, assuntos para estudar e eventos inesperados que quase roubam seu planejamento, jogando ele por água abaixo. Depois, ao estar em casa no seu “tempo livre”, tenta relaxar e se desconectar assistindo séries no Netflix, vendo imagens no Instagram, ouvindo música ou lendo algum livro. Talvez esteja ocupado com os afazeres domésticos ou correrias da igreja ou organização que faz parte. Você se sente cansado, sobrecarregado, em um overload de informações, metas e afazeres que te geram ansiedade, depressão e vontade de sumir. Ufa, até eu cansei só de falar tudo isso! Assim nós perdemos a paciência, a esperança, a capacidade de sonhar e junto com estes a fé. Lidamos com a desesperançosa ideia de que nós, seres humanos do século XXI, somos assim. Mas a pergunta é: Temos que ser assim?

Muitas vezes nós não damos uma pausa em nosso Jogo da Vida para nos perguntarmos se o que pensamos, sentimos e fazemos é realmente válido de se pensar, sentir e fazer. Nos envolvemos com as demandas e recompensas de nosso tempo, mas perdemos o significado da vida. É essa a lição que alguns homens do Século III querem nos ensinar nesse texto, pois mesmo sem todo o acesso que nós temos a informação e tecnologia, eles viveram uma prática espiritual profunda que os transformou e, junto deles, transformou a vida de muitas outras pessoas significativamente. Eles são os Padres do Deserto, que se isolaram da sociedade de seu tempo a qual consideravam, segundo Thomas Merton – monge, ativista e escritor do século XX -, “como um naufrágio para longe do qual todo homem tinha que nadar a fim de salvar sua vida.” Isto se deu pela conversão do Imperador Constantino que tornou o cristianismo religião oficial do Império. Assim se deu a impulsão de muitos padres a uma vida afastada da sociedade, vivendo em desertos por longas temporadas. 

Mas, o que estes Padres aprenderam no século III que podem ensinar aos cristãos do século XXI? 

1 – Solidão não é privacidade

Muitas vezes nós pensamos que a solidão é o mesmo que privacidade, como um momento para recarregar as energias, onde ninguém vai encher nosso saco ou, nas palavras de Henri Nouwen, “uma circunstância onde juntamos novas forças para dar sequência à contínua competição da vida.” Contudo, quando olhamos para os Padres do Deserto, o que encontramos são homens que se isolaram não somente da sociedade, mas também de quaisquer meios de distração. Mas sabe por que esse local secreto não é o mesmo que privacidade? Porque na privacidade nos distraímos, mas na solidão nós batalhamos contra nossos piores inimigos internos, pais de todos os outros: A ira e a cobiça. Lidamos com nossas impaciências, compulsões, desejos e angústias. É quando você encara quem você é nesse lugar onde só estão você e Deus, sem filtros ou distrações, que a mudança acontece e nosso caráter muda para melhor. João Batista, o precursor de Jesus no ministério, desenvolveu sua vida no deserto antes de aparecer publicamente a Israel. Jesus, antes de começar a percorrer os locais pregando e curando pessoas, passou 40 dias no deserto (e não que Ele precisasse, porque era Deus, mas ele quis nos dar o exemplo pra gente não ter desculpa de não fazer). Santo Antão habitou por 20 anos no deserto, e quando voltou ao convívio social as pessoas vinham até ele em busca de conselhos, pois viam nele uma referência de sabedoria, mansidão e amor. Eu sei que é um exercício difícil de fazer, mas tente se isolar em um lugar silencioso, sair do celular e evitar qualquer meio de distração por alguns minutos. Nesse tempo, pense em tudo aquilo que você desenvolve, pense em como você pode ser uma pessoa melhor, e peça ajuda a Deus para te dar um empurrão nesse processo transformador.

2 – Se possível cale a boca, senão, fale a coisa certa

Quem nunca ouviu a frase “o silêncio vale mais do que mil palavras”? Em nossos dias, na verdade, o silêncio é sempre mal visto. Nós mesmos somos ansiosos por falar o tempo todo, comentar nossas opiniões em posts alheios e tweets, sempre se posicionar nas redes, seja para não ficar de fora da festa ou para tentar ser um influencer. Criamos um bombardeio de notícias, informações e propagandas que estão atingindo a nós mesmos e nos matando, num oceano de palavras. Já parou pra pensar sobre o quanto você é ouvido em tudo que você fala? Quantas pessoas realmente prestam atenção no que você diz? Os cristãos atravessam essa crise de influência. Na busca pela experiência religiosa, acabam se perdendo do significado das palavras e virando um reprodutor de um conteúdo que perdeu o significado. A crise aumenta quando se trata de evangelizar, pois muitos pensam que se falarem muito sobre o pouco que conhecem de Jesus, estarão ajudando na tarefa de alcançar outras pessoas, mas isso está errado. Aba Pambo, um dos Padres do Deserto, uma vez foi visitado pelo Arcebispo Teófilo, e não falou nada para ele. Os irmãos próximos disseram ao Aba: “Diga alguma coisa para que o arcebispo seja inspirado”, ao que Pambo respondeu: “Se ele não foi inspirado pelo meu silêncio, não será pelas minhas palavras. Arsênio, outra vez, disse: “Me arrependi muitas vezes de ter falado, mas nunca de ter ficado em silêncio”. Quando você está bravo com alguma coisa ou com alguém, consegue falar a coisa certa com sabedoria? É melhor não falar do que falar algo idiota que vai piorar o problema ou iniciar um novo. Se não conseguir ficar quieto, tenha certeza que o que vai dizer é a coisa certa. Influenciar não é falar sempre, mas sim falar certo. Crie no silêncio a capacidade de avaliar o que você vai dizer e o impacto que vai ter. 

A palavra que tem poder é a que surge do silêncio. – Henri Nouwen

Muitas outras lições podem ser aprendidas com esses homens que viveram há quase dois milênios atrás, mas eu quero terminar te trazendo a seguinte figura: Pense na vida como uma maratona. Os corredores de maior sucesso dizem que se você começa a corrida com muita intensidade, você não terá energia para perseverar correndo até o fim. Aqueles Padres do Deserto aprenderam a não deixar com que a ansiedade e a loucura da sociedade os engolisse, e que existia algo que só conseguiriam aprender distantes de tudo. Não seja tão intenso ao pensar, dizer e fazer. Faça pausas no seu dia, se desconecte de tudo, treine o silêncio e a sabedoria, ore com poucas mas certeiras palavras. No final, ninguém vai fazer por você o que só você pode fazer.