Nascedouro das crises - Por Dom Walmor

08/11/2015 00:11

Nascedouro das crises - Por Dom Walmor

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

As crises que afetam a sociedade brasileira têm muitos nascedouros. As análises técnicas, políticas e antropológicas apontam as causas que levam o povo a pagar alto preço. Narrativas acadêmicas a esse respeito, contudo, não bastam. Corre-se o risco de ficar apenas na descrição teórica, sem a necessária revisão moral. Deixar-se afetar moralmente é um remédio indispensável para alcançar providências oportunas capazes de levar à superação dos graves desvios. Há de se conseguir uma boa articulação entre as análises acadêmicas, que produzem a lucidez, e as respostas alicerçadas na moralidade.

 

É preciso projetar luzes sobre um dos âmbitos historicamente mais desafiadores da sociedade brasileira: o mundo da política. Quando se fala de corrupção não é interessante fazer generalizações. Embora seja uma dolorosa realidade, é equívoco afirmar que esse mal é alimentado por todos os políticos ou cidadãos. Há de se respeitar quem é sério e as instituições que operam com exemplar discernimento moral. Ilustrativa é a passagem bíblica narrada no capítulo 18 do Livro do Gênesis, quando Abraão dialoga com Deus intercedendo por Sodoma e Gomorra. Deus o havia escolhido para edificar uma nação grande e forte, para ensinar aos seus filhos e à sua casa a guardarem os caminhos do Senhor, praticando o direito e a justiça. Havia crescido o clamor contra Sodoma e Gomorra. Abraão intercede, dialogando com Deus, para não pesar a mão no castigo se fossem encontrados 50, 40, 10 justos, honestos, entre os destinatários da fatalidade.

 

Esse respeito por quem age honestamente é lição. Assim, importa na sociedade brasileira, em vista de uma conversão indispensável, olhar para cada pessoa e segmento, sem generalizações. Nessa direção, deve-se tratar mais incisivamente a classe política no que se refere à geração das crises amargadas pela sociedade. Embora muito importante, não é suficiente apenas um trabalho educativo que qualifique o exercício cidadão de escolher ocupantes dos cargos eletivos pelo voto. No atual cenário, os políticos de todas as esferas, no Legislativo e no Executivo, são chamados a reconhecer responsabilidades na produção dos escândalos de corrupção. É verdade que esses lamentáveis episódios não têm como atores simplesmente integrantes de um segmento específico da sociedade. Porém, a classe política está em maior evidência, pois é formada a partir das escolhas do povo, exerce o poder pela representação.

 

Negociatas partidárias, distribuição de cargos, prevalência de interesses cartoriais e indevidas apropriações comprometem a credibilidade dos representantes do povo. No âmbito da política, aqueles que agem com seriedade devem inspirar o modelo para o exercício do poder. O caso é de radical conversão. Há remédios para isso. Embora se reconheça que o “vício do cachimbo entortou a boca”, não se pode perder a esperança, até mesmo porque a sociedade precisa da política para construir seus avanços e conquistas. 

 

A conversão necessária não será desencadeada a partir dos partidos, pois eles se configuram em ambientes de “ar altamente viciado”. O ponto de partida mais eficaz é o confronto da própria consciência, para dar-lhe parâmetros de moralidade que eliminem os vícios dos cartórios políticos.  Esse exame precisa envolver cada pessoa, em todos os segmentos responsáveis pela construção da sociedade.  Desse modo, será possível debelar a fonte de corrupção e evitar a repetição de escândalos que atrasam o desenvolvimento do Brasil. Especificamente, o exame de consciência deve ser vivido pelos políticos, para que sejam capazes de criar gosto por uma representatividade sem negociatas. E, por consequência, renunciem, espartanamente, às vantagens oferecidas em troca de “favores”.

 

Sem pretensão de receituário, um exercício ajudará a classe política a vivenciar o necessário confronto da própria consciência, neste momento difícil. O convite é para a leitura e estudo da Carta Encíclica Louvado Sejas - sobre o cuidado da casa comum, do Papa Francisco. Trata-se de oportunidade para aprender o que significa ecologia integral, conceito que ajudará a fazer correções, não apenas nos discursos, mas na conduta pessoal, nascedouro das crises.

 

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

 Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte