Nome de Deus em vão? Por Chico Alencar

20/10/2015 08:21

Nome de Deus em vão?

Chico Alencar

Por Chico Alencar

 

O mandamento “não usar o nome de Deus em vão” é reverência ao sagrado, ao que nos transcende. A tudo o que, na nossa existência terrena, vai além do mundo apequenado das coisas ou do ritmo da pressa, “alma dos nossos negócios”. Atitude de respeito místico diante do que nos ultrapassa.

 

O psicanalista Jurandir Freire Costa diz que vivemos tempos de “credulidade infantilizada e descrença generalizada”. A infantilização da fé, inserida na economia da salvação individual e na tal teologia da prosperidade, tem sido usada inescrupulosamente para se obter dividendos políticos e financeiros. “Jesus é o caminho e eu sou o pedágio”, parecem dizer certos líderes religiosos, ávidos por recompensa material em troca de serviços de refrigério espiritual e supostas curas físicas. Os deserdados que buscam amparo são um filão de votos, uma relíquia. No mundo do mercado total, os vendilhões do templo prosperam.

 

Leio agora que o presidente da Câmara dos Deputados – investigado por atividades nada piedosas – tem centenas de domínios na internet vinculadas à fé religiosa, como jesus.com e crentecompra.com. Ele também estaria transitando da igreja Sara Nossa Terra para a Assembleia de Deus, por motivos doutrinários não conhecidos. A Assembleia de Deus tem treze vezes mais fiéis que a Sara.

 

Nada contra a utilização de meios eletrônicos para a propagação de qualquer fé – desde que não se dissemine intolerância e charlatanice. Toda manipulação é uma blasfêmia. Fazer do sentimento religioso das pessoas um instrumento eleitoral é negar a própria religião, que vem de ‘religar’. Religar o ser humano a si mesmo, à sua dignidade, à sua autonomia, à possibilidade de reconhecer-se como criatura de Deus (ou dos orixás), com direitos iguais a qualquer outro. Toda religiosidade autêntica é libertadora. E educa para o amor ao próximo e para o ecumenismo, isto é, o respeito às demais crenças. E também ao direito de não crença.

 

Mas o que chamou mais atenção foi a frota de carrões, incluídos Porsches avaliados em mais de meio milhão de reais, na ‘conta’ das empresas religiosas do deputado Cunha e sua esposa. Imediatamente me veio a cena evangélica de Jesus pedindo uma jumentinha emprestada para entrar em Jerusalém, episódio celebrado no Domingo de Ramos. Exegetas ensinam que a simbologia do burrico é a da simplicidade e do despojamento, contrastando com os potentes cavalos dos reis de então, que utilizavam o poder para perpetuar a dominação sobre o povo. Não para servir, mas para se servir. Usando o nome de Deus em vão...

 

Fonte: Blog do Ricardo Noblat - O Globo