O telefonema resultou num acordo de boa vontade

17/09/2021 13:47

O PACIFICADOR

O presidente Michel Temer se reúne com o presidente eleito Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto | Wilson Dias/Agência Brasil

O presidente Michel Temer se reúne com o presidente eleito Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto | Wilson Dias/Agência Brasil

O ex-presidente Michel Temer volta à cena e reduz as tensões que anunciavam a ruptura entre o chefe do Executivo e o Supremo Tribunal Federal

Por Branca Nunes – Revista Oeste

Em 6 de fevereiro de 2017, depois de uma sabatina que durou 11 horas, o Senado aprovou por 55 votos contra 13 a indicação de Alexandre de Moraes para a vaga no Supremo Tribunal Federal aberta pela morte de Teori Zavascki. Ministro da Justiça de Michel Temer desde maio de 2016, o ex-promotor consolidara a imagem de jurista experiente e respeitado especialista em Direito Constitucional. “Ainda na faculdade, ele dizia que o seu sonho era ser ministro do Supremo”, conta um amigo que continua convivendo com Moraes. Até chegar lá, ele percorreria uma trajetória sinuosa que incluiu passagens por secretarias municipais e pelo governo de São Paulo.

Vice-presidente eleito na chapa de Dilma Rousseff, Michel Temer assumiu a Presidência em 31 de agosto de 2016, depois do impeachment da titular. Embora tenha feito uma boa gestão, seu governo andou na corda bamba algumas vezes. Na mais perigosa, foi acusado pelo empresário Joesley Batista de ter avalizado a compra do silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha. As jogadas de efeito incluíram a divulgação, pelo dono da JBS, de uma conversa no Palácio da Alvorada com Temer que gravara clandestinamente. Encerrado o mandato, o ex-presidente teve de submeter-se a duas curtas temporadas na prisão. Nesta semana, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou o pagamento de uma indenização de R$ 300 mil por danos morais a Michel Temer, numa ação movida contra Batista.

A aparente aposentadoria do deputado federal que presidiu a Câmara por duas vezes antes de subir a rampa do Planalto seria revogada na noite de 7 de Setembro. Habilidoso, conciliador vocacional, ele já vinha ensaiando a volta ao palco no papel de conselheiro presidencial. Entre os chefes de governo, é o único que costuma conversar com Jair Bolsonaro. É falsa a versão de que pretende conseguir mais um mandato parlamentar e voltar ao comando da Câmara. Temer prefere transformar-se numa espécie de encarnação brasileira de Richard Nixon, o presidente norte-americano que desceu ao inferno antes de transformar-se no mais respeitado conselheiro de seus sucessores.

Foi exatamente esse o papel que desempenhou entre o fim das manifestações de rua ocorridas no Dia da Independência e a madrugada de 8 de setembro, quando deu por encerrada a missão de normalizar as relações entre o presidente da República e o ministro Alexandre de Moraes.

Na noite de terça-feira, um insone Jair Bolsonaro ligou para pessoas nas quais confia para comentar com animação o sucesso da mobilização popular e confessar sua apreensão com a greve decretada pelos caminhoneiros. Embora evitasse o assunto, também traiu sua preocupação com a repercussão na Praça dos Três Poderes do seu polêmico discurso na Avenida Paulista. Nos trechos mais ousados, chamou Moraes de “canalha”, avisou que não cumpriria nenhuma ordem judicial assinada pelo ministro, criticou o que chamou de “ativismo político da Corte” e condenou as articulações feitas por Luís Roberto Barroso para sepultar a discussão sobre o voto impresso auditável.

“Estou procurando, com a ajuda do ministro Tarcísio, convencer os líderes dos caminhoneiros de que a greve vai acontecer na hora errada”, disse ao interlocutor. “A economia não vai aguentar.” Mudou subitamente de assunto e fez a revelação: “Tem um cara aí que está tentando fazer uma ponte com o Alexandre”. O “cara aí” era Michel Temer, que renunciara ao sono para conversar por telefone com Alexandre de Moraes.

Por volta das 11 da noite, o ex-presidente perguntou se o ministro do STF aceitaria conversar com Bolsonaro. Moraes, que tem se queixado do cansaço provocado pelos confrontos sucessivos, respondeu que sim, mas ressalvou que o presidente deveria tomar a iniciativa. Temer entrou imediatamente em contato com seu sucessor para contar-lhe como fora o diálogo com o ministro e sugerir que telefonasse. Na conversa com Moraes, Bolsonaro foi Bolsonaro: “Eu sou Palmeiras e você é Corinthians”, disse já na abertura do diálogo. “Não é por isso que vamos brigar.” O presidente também ponderou que os dois precisavam conversar com maior frequência. “Também acho que precisamos”, concordou o ministro.

O telefonema resultou num acordo de boa vontade, não explicitado, segundo o qual os dois oponentes emitiriam sinais amistosos. Na manhã do dia 8, enquanto Temer embarcava para Brasília num avião da Força Aérea Brasileira levando a tiracolo o esboço de uma declaração à nação, foram consumados dois gestos bastante expressivos. O governo conseguiu induzir os caminhoneiros ao recuo. E o Supremo revogou o pedido de prisão preventiva do jornalista Oswaldo Eustáquio.

Também na noite de 7 de Setembro, entrou em cena outro protagonista. O presidente da Câmara, Arthur Lira, reuniu os líderes das bancadas para um exame dos acontecimentos do dia. Todos se mostraram preocupados com os possíveis efeitos negativos sobre as chances de reeleição dos parlamentares. Terminado o encontro, Lira juntou-se aos defensores da pacificação dos ânimos e resumiu para Bolsonaro a paisagem política. Na outra ponta dos entendimentos, Gilmar Mendes fez chegar ao Planalto a notícia de que a maioria dos ministros não se opõe à indicação de André Mendonça para a vaga aberta pela aposentadoria de Marco Aurélio Mello.

Na tarde de 9 de setembro, Bolsonaro consumou o mais audacioso passo em direção à trégua com a divulgação de uma Declaração à Nação (leia a íntegra abaixo). Assinado pelo atual presidente, o texto reflete tão claramente a cara do ex que nem precisou de mesóclises. Num primeiro momento, a declaração pareceu causar estragos de bom tamanho na base bolsonarista. Houve uma avalanche de críticas ao aparente recuo do presidente e reações indignadas de aliados investigados pelo Supremo. O mercado financeiro, contudo, fechou em calmaria o dia que começara agitado.

Nos dias seguintes, sobraram especulações. Qual seria o conteúdo do acordo costurado na escuridão da madrugada? Quais concessões seriam feitas de parte a parte? Para que serviriam os preparativos do golpe tramado pelo presidente? A decretação do impeachment ganhara velocidade? Perdeu seu tempo quem procurou decifrar esses falsos enigmas. Ninguém tentou embarcar em aventuras golpistas. O impeachment não tem chance alguma de conseguir a maioria qualificada dos parlamentares. O Supremo já estava cansado de tantos conflitos. Mais importante ainda: nem o governo nem o STF tinham se preparado para o dia 8. Paradoxalmente, a inexistência de planos para a próxima batalha resultou na mais veloz e bem-sucedida operação pacificadora ocorrida desde a posse de Jair Bolsonaro.

Declaração à Nação

No instante em que o país se encontra dividido entre instituições, é meu dever, como Presidente da República, vir a público para dizer:

Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar.

Sei que boa parte dessas divergências decorre de conflitos de entendimento acerca das decisões adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito das fake news.

Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder não têm o direito de “esticar a corda”, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia.

Por isso, quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram ao bem comum.

Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes.

Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previstos no Art. 5º da Constituição Federal.

Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país.

Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição.

Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes pela manutenção da harmonia e independência entre eles.

Finalmente, quero registrar e agradecer o extraordinário apoio do povo brasileiro, com quem alinho meus princípios e valores, e conduzo os destinos do nosso Brasil.

DEUS, PÁTRIA, FAMÍLIA

Jair Bolsonaro

Presidente da República Federativa do Brasil