OESTE: Corrupção da socialização pela psicologia
PAREM DE EDUCAR AS CRIANÇAS PARA SE SENTIREM INDEFESAS
Temos o dever de levar os jovens a sério e encorajá-los a enfrentar eventos angustiantes como a covid
Por Frank Furedi – Revista Oeste
Um dos trágicos resultados da pandemia de covid é que a ideia de que as crianças provavelmente terão problemas de saúde mental passou a ser considerada normal em todo o Ocidente. Em discussões públicas, setores da estrutura educacional e a indústria de saúde mental posicionam os jovens como frágeis e indefesos por definição. Ao escrever sobre “o golpe psicológico da pandemia”, o jornal The Sunday Times indicou que não é preciso muito para fazer um jovem de 17 anos chorar. O artigo insistiu que a covid disseminou uma “epidemia de medo” entre os adolescentes e pintou um quadro da existência infernal deles trancados, com sua saúde mental deteriorada.
Embora a intenção desses artigos sem dúvida seja abordar as preocupações quanto ao impacto adverso dos lockdowns, eles também, de seu modo, contribuem para o impacto dos lockdowns. Isso porque eles são alarmistas. Eles promovem a ansiedade. E estão estimulando as pessoas, especialmente os jovens, a pensar e vivenciar o lockdown em termos de doença mental.
A normalização da doença mental como condição de vida não é nova. Durante os últimos 50 anos, temos tido uma tendência cada vez maior de pensar em muitos aspectos da vida como fontes potenciais de trauma, ansiedade e estresse. Essa abordagem estimula as pessoas a considerar uma gama crescente de experiências como emocionalmente nocivas e prejudiciais.
Em especial, a vida da criança tem sido cada vez mais observada através das lentes da saúde mental. Crianças confusas ou inseguras são diagnosticadas como depressivas ou traumatizadas. Jovens com muita energia ou rebeldes são supostamente portadores de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Crianças que causam dificuldades a seus professores ou argumentam com adultos podem ser rotuladas de vítimas de “transtorno desafiador opositivo”. Aquelas que odeiam ir para a escola podem ter “fobia escolar”. Alunos preocupados com provas são diagnosticados como vítimas de “estresse de provas”. Em outras palavras, respostas emocionais a experiências do dia a dia estão sendo rebatizadas em linguagem terapêutica.
Essa ênfase na validação tem sido acompanhada pelo costume de um regime de aversão ao risco
Não é surpresa que, mais ou menos nos últimos 30 anos, as crianças tenham internalizado elementos dessa narrativa. Os jovens de hoje prontamente comunicam seus problemas em um vocabulário psicológico. Eles descrevem seus sentimentos em termos de estresse, trauma e depressão. Escrevendo nos anos 1940, o sociólogo Robert Merton caracterizou esse tipo de desenvolvimento como uma “profecia autorrealizável”. Isto é, as premissas e crenças sobre as pessoas as levam a se comportar de maneiras que confirmem essas premissas e crenças. Diga às crianças que elas vão sofrer de estresse, trauma e depressão ao enfrentar certas experiências, como provas, e muitas começarão a responder a essas experiências exatamente desse modo. Stewart Justman descreve a forma como essa expansão do diagnóstico médico convida as pessoas a se sentirem doentes como “efeito nocebo”.
Em outras palavras, uma vez que as crianças sejam instruídas a perceber o que antes era considerado uma infelicidade cotidiana por meio da linguagem da psicologia, é provável que elas adotem o papel que lhes foi atribuído. O relacionamento entre essa narrativa medicalizada de bem-estar e seu impacto é dialético. Não apenas isso estrutura o modo como as pessoas supostamente devem se sentir e comportar, mas também as convida a “não ficar bem”. É por isso que “não estar bem” hoje passou a fazer parte da identidade de muitas crianças.
Corrupção da socialização pela psicologia
A socialização é o processo pelo qual as crianças são preparadas para o mundo à sua frente. Já faz algum tempo que ficou evidente que os pais e escolas enfrentam dificuldades com a transmissão de valores e regras de comportamento para os jovens. Em parte, esse problema foi causado pela falta de confiança das gerações mais velhas nos valores nos quais foram socializadas. De forma mais ampla, a sociedade ocidental se afastou dos valores que a inspiravam no passado e teve dificuldade em fornecer a seus membros adultos uma narrativa convincente para a socialização.
A maneira hesitante e defensiva com a qual se busca realizar a tarefa de socialização criou uma demanda por novas formas de influenciar as crianças. A falta de clareza sobre a transmissão de valores causou uma busca por alternativas. A adoção de práticas de gestão de comportamento serve como uma abordagem influenciadora para a solução do problema da socialização. Essas técnicas psicológicas de gestão de comportamento dirigidas por especialistas têm tido uma influência importante na criação das crianças. Desse ponto de vista, o papel dos pais não é tanto o de transmitir valores, mas sim de validar os sentimentos, atitudes e realizações de seus filhos.
Embora os pais ainda façam o melhor para transmitir suas crenças e ideais aos filhos, há uma mudança perceptível, com menos ênfase em repassar valores e passando a fornecer validação. Dar afirmação às crianças e elevar sua autoestima é um projeto ativamente promovido tanto pelos pais quanto pelas escolas. Essa ênfase na validação tem sido acompanhada pelo costume de um regime de aversão ao risco na educação dos filhos. A consequência (não intencional) desse regime de educação tem sido limitar as oportunidades para o cultivo da independência e estender a fase de dependência dos jovens com relação à sociedade adulta. A extensão da fase de dependência é reforçada pelas dificuldades consideráveis que a sociedade tem em fornecer aos jovens uma visão persuasiva do que significa ser um adulto. As dificuldades em torno da transição para a vida adulta estão ligadas a um decreto significativo ligado a esse desenvolvimento.
Durante a covid, a medicalização da vida das crianças se intensificou e a sociedade, involuntariamente, envia o sinal de que espera que elas sejam impotentes e vulneráveis. Infelizmente, as complexas tensões emocionais que fazem parte do processo de crescer são agora discutidas como eventos estressantes, os quais não se espera que as crianças e jovens sejam capazes de enfrentar. No entanto, é lidando com tais convulsões emocionais que os jovens aprendem a gerenciar riscos e a compreender seus pontos fortes e fracos. Em vez de serem estimuladas a aspirar por independência, as crianças são educadas para se sentirem indefesas.
Temos o dever para com a geração mais jovem de levá-la a sério e encorajá-la a enfrentar eventos angustiantes como a covid. A história mostrou que os jovens são resilientes e podem superar a adversidade que enfrentam. Para garantir que cultivemos a capacidade de independência das crianças, precisamos dar a elas valores morais claros em vez de um diagnóstico psicológico.
Os adultos não devem ter medo de ensinar às crianças as virtudes da coragem e da fortaleza para que possam desenvolver a força e a confiança para lidar com as circunstâncias adversas.
Frank Furedi é professor emérito de Sociologia na Universidade de Kent, na Inglaterra. Colunista da Spiked, é autor de livros considerados clássicos sobre temas como medo, paranoia e guerra cultural, como How Fear Works (2018), First World War — Still No End in Sight (2016) e Why Borders Matter: Why Humanity Must Relearn the Art of Drawing Boundaries. Seu último livro, Democracy under Siege: Don’t Let Them Lock It Down!, foi lançado, em novembro de 2020, pela Zero Books.