Orava continuamente em voz alta ou silenciosamente

31/12/2018 19:31

Thea B. Van Halsema – “João Calvino era assim”

Por Áurea Emanoela

“João Calvino Era Assim foi escrito para contar a história de uma vida. É uma tentativa de fazê-lo viver, de recapitular algo da extraordinária e inspiradora personalidade de João Calvino.” (Thea B. Van Halsema)

Um homem chamado segundo o propósito de Deus, para fazer aquilo que o Grande Regente do universo houvera determinado. João Calvino era um homem alto, de porte franzino, apaixonado pelos livros, cujo grande desejo era “desfrutar o lazer literário, com uma vida razoavelmente honrada e desimpedida” (p. 31). Todavia, após uma “repentina conversão” (p. 32) na qual teve o seu coração subjugado por Deus, “o candidato ao sacerdócio, o advogado, o pesquisador secular, não mais existia. Em seu lugar estava agora João Calvino, servo de Jesus Cristo” (p. 32).

Com palavras simples e riqueza de detalhes, a escritora americana Thea B. Van Halsema, conduz o leitor a um “passeio contagiante” por detalhes da vida do homem que, fazendo a vontade de Deus, teve seus desejos completamente satisfeitos por Aquele que o houvera chamado. O Senhor fez de Calvino não apenas um grande escritor, mas um homem cujas ideias e obras continuam poderosamente vivas através dos séculos. Inspiradas pela Palavra viva, elas penetram em todo o mundo cristão. Por intermédio delas o pregador de Saint Pierre tem ensinado e moldado a igreja de Cristo. Ele tem falado na vida de homens e de nações. (p. 191)

O livro é dividido em três partes, cada uma contendo doze capítulos. Na parte I, intitulada Deus guiou-me assim, somos apresentados ao lar de Calvino; ao seu pai Gerard Calvin, “advogado dos padres e cônegos” (p. 7); à sua mãe Jeanne le Franc, filha de um rico hoteleiro aposentado que faleceu quando “o menino de olhos vivos” (p. 08) tinha apenas três anos de idade; aos seus irmãos; às pessoas que costumeiramente entravam e saiam da sua casa “porquanto o lar era um escritório também” (p. 7); à sua infância em Noyon, na província francesa de Picardy, entre cônegos, padres, monges, capelães e toda espécie de empregados eclesiásticos. A autora explica que foi nesse pequeno mundo amuralhado, de santuários e relíquias, de procissões e festas, de círios, sinos e imagens que cresceu o segundo filho do advogado da igreja. Em tudo ele participava com devoção, lembrando os olhos embaçados de sua mãe. Do seu tamborete, no canto da casa, também ouvia as vozes que vinham da escrivaninha do seu pai. Um clérigo queria o fruto de mais vinhas. Outro desejava o grão de maiores campos. Estavam sempre querendo mais coisas para si mesmos. Queriam ficar mais ricos, mais admirados, mais acomodados. (p. 10)

No verão de 1523, João Calvino deixa a cidade em que nascera e com grandes expectativas segue em direção a Paris. Calvino, “com quatorze anos de idade, entrava num mundo novo de pessoas, lugares e ideias. Ele não voltaria mais a Noyon para residir” (p. 12). Assim como acontecera na Suíça de Ulrich Zwinglio, as ideias da Reforma também haviam chegado à França; é-nos contado, por exemplo, que Jacques Lefèvre, professor da melhor universidade da Europa, “com idade de setenta anos, redescobriu as verdades da Bíblia” (p. 14).

À medida que a nova fé se espelhava pela França, apareciam inimigos para abafá-la. Entre estes se destacavam dois homens de altas posições: o sagaz Noel Beda, reitor da Universidade da Sorbonne, e o ambicioso Antoine du Prat, chanceler da França. De início, estes homens e seus auxiliares usaram ameaças e argumentos. Quando tais métodos falharam, começaram a usar fogo e o laço do enforcador (p. 15).

Era este o ambiente em Paris quando Calvino lá chegou em meados de 1523:

era agosto, no mês em que a fumaça de um sacrifício humano subia aos céus no Place de Greve. Um monge Agostiniano convertido foi amarrado ao pelourinho e queimado por causa de suas “heresias luteranas”. Foi o primeiro a morrer dessa maneira em Paris. O primeiro de muitos. (p. 16)

A narrativa prossegue conduzindo o leitor desde a vida estudantil até o “fracasso” literário daquele que posteriormente viria a ser um dos maiores e mais reconhecidos escritores cristãos.

Em 1533, aproximadamente um ano depois da publicação de um ensaio sobre Sêneca (filósofo romano que foi contemporâneo do apóstolo Paulo), Calvino se viu obrigado a deixar Paris para salvar sua vida. A partir daí, conforme ele mesmo expressou, “não podia fazer outra coisa senão seguir o Teu caminho condenando o meu passado com não poucas agonias e lágrimas” (p. 32). Calvino passou a ser caçado como herege apto para o fogo.

De formas diferentes, era também caçado por pessoas sedentas da verdade que ele ensinava e pregava. Recordando esses meses, Calvino escreveu: “Deus me dirigiu por tantas voltas e mudanças, que Ele nunca permitiu que eu descansasse em qualquer lugar” (p. 35).

Naqueles tempos difíceis, ao final de seus sermões, Calvino costumava erguer suas mãos em direção aos céus e exclamar: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (p. 36).

Em 1536, Calvino publica a primeira edição das Institutas da Religião Cristã. O projeto inicial consistia em “ajudar os novos protestantes que precisavam conhecer as verdades da Bíblia” (p. 41); todavia, diante da fúria incontida do rei da França (Francisco I), Calvino “sentou-se à sua escrivaninha e mergulhou sua pena no tinteiro. Trabalhou febrilmente para concluir o que estava escrevendo” (p. 41). Embora o rei da França jamais tenha chegado “a ler a carta de vinte e uma páginas que lhe fora endereçada” (p. 41), João Calvino tencionava esclarecer “a natureza daquela doutrina que é o objeto de tanta cólera incontida por parte daqueles loucos que ainda agora estão convulsionando o país com fogo e espada” (p. 43). Na sua última edição, de 1559, as Institutas seguiram a ordem do Credo dos Apóstolos na discussão das verdades da religião cristã. […] Foi assim que apareceu a poderosa obra que recolheu da Palavra de Deus um completo sistema doutrinário. As Institutas começaram com Deus, concluíram com Deus e encontraram todas as coisas em Deus, o Deus triúno. (p. 45)

A narrativa prossegue e atinge seu clímax com a chegada de Calvino na impenitente cidade de Genebra. “O viajor chegou para uma noite de sono. Pretendia continuar a viagem, sem ser reconhecido. Mas Deus tinha outros planos” (p. 65). Ainda no ano de 1536, João Calvino teve o primeiro contato com aquele que seria o seu amigo pelo resto da vida, o impetuoso e destemido Guilherme Farel. Logo que soube da estada de Calvino na explosiva Genebra, Farel tratou de instá-lo a permanecer na cidade a dar continuidade ao trabalho ali iniciado. Diante da negativa inicial de Calvino, Farel, ousadamente, apontando aos céus, vociferou: “Digo-te, em nome de Deus Todo-Poderoso, que estás apresentando os teus estudos como pretexto. Deus te amaldiçoará se não nos ajudares a levar adiante o Seu trabalho, pois doutra forma estarias buscando a tua própria honra em vez da de Cristo!” (p. 66)

A resposta de Calvino à ousada “convocação” de Farel veio da sua devota obediência ao Deus que convertera seu coração:

Senti como se Deus tivesse estendido a Sua mão do céu em minha direção para me prender… Fiquei tão aterrorizado que interrompi a viagem que havia encetado… Guilherme Farel me reteve em Genebra. (p. 66)

Em Genebra, os problemas pareciam se avultar a cada novo dia, culminando com a expulsão, em 25 de abril de 1538, dos três pastores franceses da cidade que abraçara a fé protestante (Junto com Calvino e Farel estava Corault, “o homem cego e velho que tinha acabado de sair da prisão”). Ao ouvir a sentença pronunciada pelo arauto, Calvino replicou: “Muito bem. Tivéssemos servido a homens seríamos mal recompensados, mas servimos a um bom mestre que nos retribuirá” (p. 85). Vinte meses após a sua chegada, Calvino e seus dois amigos atravessam “a ponte elevadiça sobre o fosso, passando pela guarda armada e saindo pelo portão da cidade” (p. 85). Todavia, alguns anos mais tarde, o jovem reformador, a pedido do Conselho de Genebra e novamente guiado por Deus, retornaria à cidade da qual fora expulso e permaneceria ali até sua morte, em 27 de maio de 1564.

A segunda parte do livro prossegue com o exílio de Calvino e o seu ofício como pastor da igreja de refugiados franceses em Strasbourg. Os três anos que passaria na pacífica cidade se tornariam “um sonho agradável comparado com os horrores de Genebra” (p. 89). Foi em Strasbourg que Calvino conheceu Idelette, que posteriormente tornar-se-ia sua esposa.

Calvino não poderia ter encontrado melhor esposa do que a nova Madame Calvino. […] Era não somente paciente, ansiosa por servir o marido e feliz por compartilhar com ele qualquer trabalho do Senhor; ela mesma saía para visitar os doentes, confortar os tristes, e compartilhar com os outros a sua fé. Calvino, alentado pelo seu amor, nunca imaginou ser possível tal felicidade. (p. 100)

Todavia, nos primeiros dias de setembro de 1541, escoltado pelo arauto, Calvino encetou viagem de volta a Genebra.

As lágrimas anuviando os olhos, Calvino cavalgou para fora da pacífica cidade onde tinha gasto três frutíferos anos. O Senhor o estava enviando de volta às tempestades de Genebra. […] Ninguém sonhava, muito menos Calvino, que a turbulenta cidade a que se destinava tornar-se-ia para todo o sempre a cidade mundial da Reforma. (p. 117)

Em seu derradeiro capítulo somos reconduzidos, juntamente com Calvino, à cidade de Genebra. Vislumbramos algumas das dificuldades enfrentadas pelo Reformador quando do seu retorno à cidade que ele considerava como a “Sodoma da Reforma”. Acompanhamos o sofrimento de Calvino quando da morte de sua esposa Idelette, em meados de 1549: “Fui privado da melhor companhia da minha vida. […] Faço o possível para não ficar assoberbado pela tristeza” (p. 135). Somos ainda guiados em torno da grande controvérsia acerca de “quem queimou Servetus?” (p. 170).

Lamenta-se que Calvino, na maneira de tratar Servetus, tenha agindo como outros homens do seu tempo. Lamenta-se especialmente porque nos seus escritos e nos seus atos Calvino estava muito além da sua época, apontando o caminho para a tolerância e a liberdade. (p. 175)

Contudo, depois de muitos anos tempestuosos, “Genebra, a Sodoma para a qual Calvino havia voltado, estava sendo transformada numa cidade de Deus” (p. 175).

Enquanto povos e nações ao seu redor eram abalados por guerras e dificuldades, a cidade no lago caminhava firmemente para ocupar o seu lugar como cidade mundial da Reforma. Devido ao homem que morava na Rua do Canhão, Genebra era a sede da fé Protestante para todo o mundo da época. Esta era a cidade da qual João Knox, o grande reformador escocês, falou: ‘Existe aqui a mais perfeita escola de Cristo desde os dias dos apóstolos’. (p. 176-177)

Em 27 de maio de 1564, Calvino “morreu em paz, como alguém que pega no sono. Numa noite de sábado – o fim do dia, o fim da semana, o fim de uma vida. Um grande servo estava agora com o seu Mestre” (p. 190). Nem mesmo as fortes dores que sentia impediam Calvino de adorar ao Deus bendito:

Orava continuamente, em voz alta ou silenciosamente, movimentava os lábios. Nos estertores, atribulado pela dor, clamava com frequência: “por quanto tempo, Ó Senhor?”. Ou “Senhor, Tu me esmagas, mas eu me conformo de que seja a Tua mão”. (p. 190)

João Calvino era assim, um extraordinário servo de Jesus Cristo. “O milagre consistia em que Deus tenha usado um servo pecador como João Calvino de maneira tão poderosa para edificar Sua Igreja e influenciar o mundo” (p. 175).

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Informações do livro

Título: João Calvino era assim: A vibrante história de um dos grandes líderes da Reforma
Autora: Thea B. Van Halsema
Editora: Puritanos
Edição: 1ª
Ano: 2009
Número de páginas: 191

Por Áurea Emanoela Holanda Lemos - Permissões: Você está autorizado e incentivado a reproduzir e distribuir este material em qualquer formato, desde que inclua estes créditos, não altere o conteúdo original e não o utilize para fins comerciais.

Prefácio do livro

João Calvino Era Assim foi escrito para contar a história de uma vida. É uma tentativa de fazê-lo viver, de recapitular algo da extraordinária e inspiradora personalidade de João Calvino. Não tem a pretensão de discutir sua teologia ― outros com competência para tanto já o fizeram muitas vezes.

É surpreendente descobrir-se quanto se pode conhecer da vida de Calvino por intermédio das suas cartas e escritos, dos registros dos seus dias, e dos bons, livros que foram escritos a seu respeito. Fui beneficiada por essa leitura, e pelos dias que passei em Strasbourg e em Genebra nos meados de 1958.

Este livro constituiu-se num empreendimento conjunto em nosso lar. Meu marido forneceu-me material, sugestões, e inspiração para escrever. Revisou o manuscrito, preparando-lhe o índice. Por tudo isso, e mais, desejo agradecer-lhe.

Sou grata, também, ao Dr. John Kromminga, Reitor do Calvin Seminary e Catedrático de História Eclesiástica, pela sua gentileza em ler o manuscrito.

Quando Calvino morreu, seu amigo Guilherme Farel disse: “Ó, quão alegremente correu uma nobre carreira. Corramos como ele, de acordo com a medida da graça que nos foi dada”. Espero que esta narrativa da história de Calvino nos dê inspiração para a carreira que cada um de nós tem de correr.

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