Questões na repatriação - Por Merval Pereira
O GLOBO
O projeto de lei que autorizou a repatriação ou legalização de dinheiro depositado no exterior sem estar declarado oficialmente ao Banco Central corre o risco de ser impugnado na Justiça. O deputado Miro Teixeira lembra que o Código Tributário Nacional é uma lei complementar que só pode ser alterada por outra lei do mesmo nível.
A definição já tem jurisprudência no Supremo Tribunal Federal, o que torna inconstitucional as mudanças introduzidas pelo projeto aprovado ontem na Câmara. Além do mais, há no Código Tributário Nacional uma determinação de que crimes e contravenções não podem ser anistiados.
O governo só fez a mudança através de um projeto de lei por que para aprovar uma lei complementar precisaria de maioria absoluta da Câmara, o que não conseguiria, como ficou demonstrado na votação de quarta-feira à noite. O projeto foi aprovado por um placar apertado de 230 a favor e 213 contra.
O Ministério Público, que já se colocou contra o projeto de lei por considerá-lo muito amplo e que achar pode ajudar os envolvidos em processos de corrupção em curso, como a Lava-Jato, pode recorrer ao Supremo, ou simplesmente ignorar a nova lei, usando as informações sobre o dinheiro regularizado para processar seus possuidores.
De qualquer maneira o projeto ainda vai sofrer alterações no Senado e retornará à Câmara antes de ganhar forma final, e por isso ainda há tempo para mudanças importantes. O PSDB conseguiu aprovar no final da sessão um aditivo que determina que detentores de mandatos eletivos e funções públicas, assim como parentes até segundo grau, não poderão se utilizar da lei para legalizar dinheiro.
Essa medida, se mantida, evitará boa parte da leniência com que a nova legislação trata os possuidores de dinheiro ilegal no exterior. A começar pelo próprio presidente da Câmara, Eduardo Cunha, às voltas com a lei devido a um dinheiro ilegal que mantém em contas e trusts na Suíça.
A incongruência maior é que para se beneficiar da anistia o declarante terá que garantir que a origem do dinheiro é legal. Se é assim, como anistiar crimes como lavagem de dinheiro ou descaminho (sonegação de imposto na exportação ou importação de produtos) que por si só caracterizam como de origem ilícita o dinheiro a ser repatriado?
Para completar as dificuldades do projeto, ele prevê que parte dos recursos arrecadados com as multas alimentaria um fundo de compensação para Estados que viessem a ter perdas decorrentes de uma projetada unificação das alíquotas do ICMS. Tal fundo, criado por uma Medida Provisória, já não existe mais pois a MP, não tendo sido votada, perdeu a validade às vésperas da votação.
O projeto de repatriação de dinheiro é um instrumento comum em diversos países, já foi utilizado no Brasil e está nos planos dos governos petistas desde quando Antonio Palocci era ministro da Fazenda de Lula. O problema maior com ele é a circunstância atual, em que o país se debate numa ação contra a corrupção de amplo espectro que pode ser boicotada pela nova lei. Além do mais, os crimes anistiados foram muito ampliados.
PMDB na luta
O PMDB vai colocar em discussão sua proposta de programa de governo na convenção do próximo dia 17 com a intenção de aprová-lo com o apoio majoritário, e transformá-lo em uma bandeira do partido para os próximos anos.
O relator do projeto será o senador Romero Jucá, e todos os diretórios nacionais e regionais receberão o material para usá-lo, quando menos, nas eleições municipais de 2016. Mas ele pode servir como um programa emergencial se em algum momento a grave situação econômica e social propiciar uma mudança no quadro político, levando ao impeachment da presidente Dilma.
Um detalhe politicamente importante é que o último parágrafo do programa lançado pelo Instituto Ulysses Guimarães, presidido pelo ex-ministro Moreira Franco, deixava explícito que o partido, diante da gravidade da situação, se oferece para um governo de transição sem pensar em uma reeleição.
O objetivo seria a união nacional em torno de um projeto de governo que possa ser continuado depois de um mandato tampão. Essa explicitação, que certamente causaria abalos políticos com o PT, foi retirada do texto, mas o sentido da proposta continua o mesmo.