Revista Época: CPI contra Janot e delatores da JBS

23/09/2017 16:30
POLÍTICA
 
Aliados de Michel Temer manobram CPI contra Janot e delatores da JBS
 
A investigação sobre a JBS une aliados de Temer até mesmo ao PT em ataques ao Ministério Público e a delatores
 
DÉBORA BERGAMASCO E MATEUS COUTINHO - Site da Revista Época
O deputado Carlos Marun (esq),relator,em sessão da CPMI da JBS (Foto:  ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO)
UM LADO
O deputado Carlos Marun (à esq.), relator, em sessão da CPMI da JBS. Nenhum requerimento pede para ouvir políticos agraciados pela empresa com propina (Foto: ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO CONTEÚDO)
 
Durante a terceira sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) criada para investigar a JBS, na quinta-feira (21), o deputado Paulo Pimenta, do PT do Rio Grande do Sul, se insurgiu contra a convocação de Luciano Coutinho, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nas gestões petistas, para prestar esclarecimentos. Pimenta, um aguerrido defensor da tese de que Dilma Rousseff sofreu um “golpe”, não um impeachment, foi rapidamente acalmado pelo relator da CPMI, deputado Carlos Marun, do PMDB, líder da tropa de defesa do presidente Michel Temer no Congresso. Ao notar a exaltação do colega, Marun abandonou seu assento na mesa da Comissão e caminhou até a cadeira do petista. Sussurrou-lhe ao pé de ouvido. Sorriram. Conseguiu acalmá-lo. Marun voltou para seu lugar e disse que não via a necessidade de Coutinho ser convocado, ou seja, com obrigação de comparecer; mas, sim, que poderia ser convidado. Marun acabou vencido pelos argumentos do presidente da Comissão, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), mas seu gesto deixou Pimenta satisfeito.
 
Essa improvável harmonia entre PT e PMDB, aliados no governo Dilma e  inimigos por causa do impeachment há apenas um ano, mostra a dinâmica acelerada da política empurrada pela Operação Lava Jato. Fundamenta-se na repisada técnica de muitas CPIs, na qual parlamentares – ainda que de campos opostos – se unem para blindar aliados e constranger inimigos. “O objetivo primeiro dessa CPMI nunca foi investigar nenhum malfeito da JBS. Sempre foi retaliar o Ministério Público Federal”, diz o senador Randolfe Rodrigues, da Rede do Amapá. “Essa CPMI tem uma aliança inusitada: estão juntos do mesmo lado Marun, o PMDB de Temer, e o PT. O que os une? Retaliar quem quer investigá-los. Marun e PT estão tão íntimos, entrelaçados, que não é mais nem namoro, mas um casamento.” 
 
Nos corredores do Congresso, o comentário entre os parlamentares é que, como acabaram as flechas de Rodrigo Janot, que deixou o cargo de procurador-geral da República, são deputados e senadores os donos do bambuzal. A produção de flechas já começou. De 228 requerimentos já apresentados, 108 foram apreciados pelo colegiado em apenas três reuniões. Nenhum deles envolve a convocação ou investigação de políticos delatados pelos irmãos Joesley e Wesley Batista e os executivos da JBS – isso apesar de mais de uma centena deles ter sido beneficiada com propina. O foco é outro. Joesley, Wesley, o ex-diretor de Relações Institucionais da JBS Ricardo Saud – lobista que era o queridinho de uma enorme bancada pluripartidária – e o ex-procurador da República Marcello Miller foram alvo de  nada menos que 22 pedidos para convocá-los a depor. Com suas delações, os três primeiros colocaram Temer na situação difícil em que está e forneceram provas contra parlamentares. As empresas da JBS são outro foco. Foram solicitados, além das informações e dos documentos dos acordos de delação e leniência, dados de investigações internas, inquéritos policiais, processos administrativos e procedimentos em andamento e já concluídos envolvendo o grupo em praticamente todos os órgãos de controle do governo, no Supremo e no Ministério Público. Na manhã da quinta-feira, o senador Ataídes Oliveira foi à sede da Polícia Federal e fez um acordo com o diretor-geral da PF, Leandro Daiello, para que dois delegados sejam destacados para cuidar do compartilhamento das apurações da PF com a CPMI. Foi uma jogada eficiente: policiais federais são indicados para fustigar procuradores.
 
Dos 108 requerimentos apreciados até agora, 72 foram encaminhados pelo PSDB, aliado do governo Temer, e seis pelo PT, todos do incansável Paulo Pimenta. A missão dos petistas é blindar de convocações e constrangimentos pessoas que exerciam funções-chave nas gestões dos ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. Para o PT, já chega os estragos que a Justiça tem feito. Em uma rara sintonia, os partidos oposicionistas se alinharam e centraram a munição nos executivos da JBS e em representantes do MPF, inclusive o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, convidado a depor na Comissão por meio de um requerimento do próprio presidente da CPMI. “Tive a delicadeza de, mesmo ele não sendo mais o PGR, nem mudar o status de convite para convocação”, diz Ataídes.
 
O presidente da CPMI vai apresentar nesta semana um Projeto de Lei que obrigue o Ministério Público a incluir a Polícia Federal nos acordos de colaboração premiada, como uma forma de diluir o poder dos procuradores. Também já apresentou outro que estabelece o cumprimento de 44 meses a procuradores que queriam trocar a carreira pela iniciativa privada, como Marcello Miller.
 
Pedirão ainda à Procuradoria-Geral da República que informe os registros de entrada e saída de delatores sem relação com a JBS, como Nestor Cerveró e Sérgio Machado, em sua sede, em Brasília. Há até um pedido de colaboração com o FBI, o equivalente à Polícia Federal americana, e o FED, órgão que fiscaliza o sistema financeiro nos Estados Unidos, para apurar eventuais irregularidades envolvendo as aquisições do grupo J&F naquele país. O deputado Izalci Lucas, tucano do Distrito Federal, pediu para ter acesso ao diário de bordo do jatinho de Joesley, incluindo os registros dos voos, lista dos ocupantes, as datas e horários entre 2007 e 2016. Esse último pedido ainda não foi apreciado pelo colegiado.
O senador Atáides Oliveira (dir.),presidente da CPMI,com o diretor da Polícia Federal,Leandro Daiello. (Foto:  Reprodução)
ALIADO
O senador Ataídes Oliveira (à dir.), presidente da CPMI, com o diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello. Aceno à PF para fustigar o Ministério Público (Foto: Reprodução)
 
Durante a última reunião da Comissão, diante de protestos de um parlamentar sobre a insistência em convocar integrantes do Ministério Público, o deputado Paulo Pimenta revidou dizendo não ver motivos para poupar procuradores de convocações. “Não existem aqui vacas sagradas”, afirmou. Entretanto, armou a maior confusão quando votaram convite para que Jorge Hereda e Maria Fernanda Ramos Coelho, ex-presidentes da Caixa, prestem esclarecimentos. “Não existem vacas sagradas, a não ser que ela use uma estrela. Aí sacralizou a vaca”, provocou o senador Randolfe. Repousa sobre a pilha de pedidos de convocação à CPMI a visita do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “Estão querendo chamar o Lula, a Dilma, o (ex-ministro petista Antonio) Palocci, o Meirelles”, disse Ataídes a ÉPOCA. “Acho que se entrarmos neste caminho vamos perder o foco e isso não é de bom alvitre.” Indagado se o objetivo da Comissão era retaliar os investigadores, foi enfático: “Isso é conversa fiada. O senador Otto chamou a CPMI de chapa-branca porque queria ter espaço na imprensa. Acho um papel extremamente ridículo”.
 
A escolha do deputado Carlos Marun como relator causou a defecção de dois integrantes, pois estamparia na CPMI o rótulo de seus integrantes servirem como prepostos do governo. “Acredito neste governo e eles não me fizeram nenhuma recomendação, mas creio sinceramente que o governo fica mais confortável em saber que tem alguém na relatoria da CPMI que torce por ele”, disse Marun. 
 
Os parlamentares pediram informações até sobre delatores que nada têm a ver com a JBS
 
A CPMI da JBS tramitará paralelamente à segunda denúncia de Janot contra Temer, que chegou na noite da quinta-feira à Câmara. Temer é acusado de obstrução da Justiça e participação em organização criminosa. O Supremo Tribunal Federal decidiu que a peça não deveria ser barrada na Corte, mas, sim, enviada à Câmara para apreciação. A acusação será apreciada na Comissão de Constituição e Justiça e, depois, será votada no plenário. Serão necessários 342 votos, entre os 513 deputados, para que a denúncia prossiga e o presidente seja afastado do cargo. Quem está na CPMI tem a oportunidade de mostrar serviço ao governo e negociar com o Planalto mais recursos em emendas ao orçamento. Na votação da primeira denúncia a tática deu certo.
 
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