Revista Oeste: O CAMINHO ARISTOTÉLICO

29/12/2021 00:04

O CAMINHO ARISTOTÉLICO

O homem feliz é aquele que busca atingir suas potencialidades, dando sentido mais elevado para sua existência

Por Rodrigo Constantino – Revista Oeste

Quase todo mundo coloca a felicidade como grande meta na vida. Mas qual felicidade? E como obtê-la? Qual o sistema filosófico mais coerente e condizente com a natureza humana? Poucos mergulham mais a fundo nessas reflexões, e talvez por isso se percam nessa busca, com angústias excessivas e desespero quando diante do sofrimento inevitável na vida. Chegando perto do fim do ano, pretendo apresentar possíveis respostas, com base no livro Aristotle’s Way, de Edith Hall.

A ética aristotélica engloba aquilo que muitos pensadores modernos associam com a felicidade subjetiva: autorrealização, encontrar um “sentido” para a vida, adotar uma postura criativa diante dela e um “pensamento positivo”, mas realista. Aristóteles nos ofereceu, milênios atrás, um modelo que exige responsabilidade individual, ou seja, a escolha racional de ser feliz, adotando uma postura ativa, apesar das circunstâncias nem sempre favoráveis.

Mas isso não deve se confundir com qualquer tipo de hedonismo, de fuga pelos prazeres. Aristóteles não era um utilitarista, tampouco um cínico ou um estoico, que adota visão mais pessimista sobre a vida, preparando-se para suportar a dor. Aristóteles era mais otimista, acreditava na capacidade humana de buscar a felicidade, mas não de qualquer forma, de maneira irrefletida, deixando a “vida te levar”. O homem feliz é aquele que busca atingir suas potencialidades, dando sentido mais elevado para sua existência.

Para Edith, JFK foi quem melhor resumiu a felicidade aristotélica: o uso total de seus poderes ao longo de linhas de excelência em um escopo de vida. O hábito faz o monge, e Aristóteles acreditava que é possível treinar para se tornar bom, melhor, fortalecendo suas virtudes e controlando seus vícios. Dessa forma, a felicidade seria um estado mental fruto desse hábito de fazer a coisa certa. Existem as virtudes da autodisciplina, como a coragem e a paciência; as virtudes da consciência, como a honestidade e a justiça; e as virtudes envolvendo terceiros, como a compaixão e a gentileza.

Aristóteles não menosprezava as circunstâncias, e ele mesmo teve sua alta cota de tragédias pessoais. Não obstante, estava seguro de que era possível buscar essa vida mais rica, e que isso poderia produzir felicidade genuína. A falta de sorte pode impactar uns mais do que outros, sem dúvida, e, dependendo da situação, pode tornar a meta da felicidade algo um tanto difícil; mas não é impossível. Mesmo aqueles que nascem numa condição desfavorecida ou enfrentam desgraças inimagináveis podem, ao menos, canalizar seus esforços para levar uma vida mais virtuosa e, portanto, feliz.

Ele não desprezava os prazeres da carne, mas entendia que era possível apreciá-los de formas construtivas

A vantagem da ética aristotélica, a meu ver, é que ela não está dissociada da realidade de nossa natureza. Outros modelos adotam postura mais “Poliana” ou buscam criar o “novo homem”, ignorando que temos paixões intrínsecas. Já os mais pessimistas simplesmente se convencem de que a felicidade é algo inviável para a condição humana. Aristóteles tenta encontrar uma espécie de “caminho do meio”, partindo da visão realista do homem, mas sem abandonar as esperanças de felicidade verdadeira.

Essa ética aristotélica não é um manual minucioso de como viver ou qual decisão tomar em cada situação, mas, sim, uma espécie de mapa geral de navegação, como um capitão equipado com o conhecimento de certos princípios para adotar suas escolhas dependendo de cada momento. Quem busca em Aristóteles uma “pedra filosofal” para construir um código de conduta específico a cada circunstância estará fadado ao fracasso.

A moderação aristotélica visava a evitar extremos, pois quem nunca está impaciente, por exemplo, não costuma realizar nada significativo, e quem é impaciente demais não espera a hora certa para fazer as coisas. Aristóteles não pregava a fuga dos desejos, tampouco a busca de saciá-los a todo custo. Ele não desprezava os prazeres da carne, tais como sexo, bebida ou comida, mas entendia que era possível apreciá-los de formas construtivas, com aqueles que amamos, sem sermos escravos de nossos apetites.

Isso vai de encontro ao que muitos defendem hoje, como se o caminho para a felicidade fosse fazer aquilo que se tem vontade ou que “dá na telha”. Aristóteles jamais defenderia uma vida não examinada. Ele foi o melhor aluno de Platão, afinal, e, apesar de várias divergências, ambos concordariam que ao homem foi dada a capacidade do raciocínio, e se evadir dela é inaceitável.

Outro ponto interessante é que Aristóteles, filho de médico, era um empirista, ou seja, ele observava com atenção a realidade como ela é, não como ele gostaria que ela fosse. Mesmo filósofo da mente, ele agia como uma espécie de cientista natural, celebrando a materialidade do universo que podemos perceber por nossos sentidos. Muitos filósofos se perderam pelo excesso de abstrações numa “Torre de Marfim”, desconectados do mundo real à sua volta. Não Aristóteles.

Há muito mais o que pode ser dito, claro, mas não quero me estender demais. Aqui fica apenas uma provocação inicial para tais reflexões. A ética aristotélica coloca o indivíduo no controle, reconhecendo as contingências do destino, mas evocando a necessidade de escolha e ação diante da vida, de uma forma mais planejada. Seu sistema ético era flexível e versátil, mas não relativista, e também era bastante prático, para ser implementado no dia a dia. Todos podem decidir pela felicidade, o que não quer dizer que ela virá automaticamente e num piscar de olhos. Ela exige esforço contínuo, sacrifícios, transformar virtudes em hábitos.

A recompensa é grande, porém: uma vida que tem sentido mais elevado, e que cada um possa ter a realização de saber que fez seu melhor para atingir seus potenciais. Muitos se arrependem no leito de morte de não terem tido a coragem de viver uma vida verdadeira e plena, de acordo com seus próprios potenciais, não o que outros esperavam deles. Poucos nesse momento final se arrependem de ter tentado realizar seus sonhos, mas muitos lamentam nunca sequer ter feito uma tentativa. A felicidade aristotélica consiste, enfim, em decidir o que se quer de verdade, com base em propósitos nobres e sabendo o motivo pelo qual se quer isso, e depois implementar um plano para conquistá-lo.

Espero aos meus leitores esse tipo de conquista, não apenas em 2022, mas a partir de agora e sempre. A vida humana é preciosa demais para ser desperdiçada.