Revista Oeste: PRECISAMOS SAIR DO WHATSAPP

07/01/2022 15:16

“PRECISAMOS SAIR DO WHATSAPP E ENCONTRAR O HOMEM COMUM”

Alex Catharino, um dos principais estudiosos do conservadorismo no Brasil, explica o que é esse pensamento tão pouco compreendido no país

Por Edilson Salgueiro – Revista Oeste

Oconservadorismo é uma das ideias mais deturpadas no debate público brasileiro. Não é raro ver intelectuais e políticos de esquerda atribuírem a esse conceito filosófico uma série de rótulos depreciativos, quase sempre incorretos ou imprecisos. Quem nunca ouviu dizer que os conservadores são retrógrados, reacionários ou ultrapassados? Em algumas ocasiões, sobretudo quando o assunto é política, a pecha de fascista ou nazista invariavelmente vem à tona.

No entanto, esses chavões não poderiam estar mais distantes da realidade. Ao contrário do que é dito nos ambientes dominados pelos autoproclamados progressistas, ser conservador implica prudência, ceticismo e moderação. Valores opostos às posturas autoritárias observadas em intelectuais e políticos que querem fazer do conservadorismo uma filosofia nociva.

Para desfazer alguns desses mitos, Oeste entrevistou Alex Catharino, um dos principais estudiosos do assunto no Brasil. Ele cursou graduação em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e se debruçou sobre temas relacionados à arqueologia, paleografia, filosofia, teologia, literatura e ciência política. Atualmente, é membro das instituições de pesquisa Edmund Burke Society, T. S. Eliot Society e Philadelphia Society. Catharino é autor do livro Russell Kirk — O Peregrino na Terra Desolada.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor ressalta a importância de as tradições conservadoras serem preservadas. Quais são essas tradições?

De acordo com Russell Kirk, considerado o pai do movimento conservador norte-americano, há seis cânones a serem defendidos pelos conservadores: (1) a ordem transcendente, ou seja, os princípios morais; (2) a diversidade e a pluralidade da vida humana, visto que os indivíduos não são iguais; (3) uma ordem social não igualitária, uma vez que as pessoas são singulares, com características distintas; (4) a liberdade e a propriedade privada, pois grandes civilizações foram construídas sob esses fundamentos; (5) os usos consagrados, os costumes, as tradições; e (6) a necessidade de mudanças, porque o mundo não é estático, exige adaptações.

Na prática, o que isso significa?

Devemos entender que a sociedade não é estática, é uma continuidade entre passado, presente e futuro. A partir dessa visão, entende-se que o conservadorismo, mesmo sendo uma negação de posturas progressistas ou revolucionárias, que desejam fazer tábula rasa do presente em nome de um futuro utópico, não deve ser confundido com posturas imobilistas, que pretendem preservar as coisas como estão, nem com os reacionários, que querem escolher um período do passado, idealizado, e implementá-lo no futuro. O conservador entende que temos de preservar a continuidade, a mudança.

Especificamente no Brasil, quais valores devem ser preservados?

A nossa língua, por exemplo. Qual é o problema da linguagem neutra? Estamos destruindo a norma culta da língua, e a língua — como vários linguistas demonstram — não é uma criação da burguesia ou da aristocracia; pelo contrário, trata-se de uma ordem espontânea, como diz o pensador liberal Friedrich Hayek. A gramática que utilizamos, o vocabulário, tudo isso é uma evolução histórica, com contribuição de grandes literatos e de pessoas comuns. Destruir a língua, em nome de ideologias, é destruir a tradição de grandes homens — Machado de Assis, Lima Barreto, Cartola, Luiz Gonzaga. O que conservar, portanto? Em primeiro lugar, nossa língua. Em segundo, a tradição cristã, que visa a defender a dignidade do homem, a vida, a liberdade, a busca da verdade, a propriedade privada, o bem, o belo. Em terceiro, a própria unidade do país, que tem uma história riquíssima.

Mas há espaço para que as ideias conservadoras prosperem no Brasil?

Em grande parte, os valores conservadores brasileiros foram soterrados. Inicialmente, pela ascensão da República. Depois, o problema foi agravado com a destruição desses valores pelo governo de Getulio Vargas. Houve uma pequena ressurreição do conservadorismo pelos grupos da União Democrática Nacional [UDN], em especial por Carlos Lacerda e pelo Brigadeiro Eduardo Gomes, mas principalmente por Pedro Aleixo e Milton Campos. Entretanto, isso foi novamente soterrado pelo regime militar. Esse conservadorismo, no Brasil, desaparece até o momento em que a oposição aos governos do Partido dos Trabalhadores [PT] acaba levando o sentimento de insatisfação às ruas. Aí, algumas pessoas redescobriram o conservadorismo de modo desconexo.

Como o senhor avalia esse momento de redescoberta das tradições conservadoras?

Vejo que há uma tendência de renascimento dessas ideias. Estamos engatinhando nisso, mas qualquer doutrina política desenvolve-se de forma gradativa. Nosso conservadorismo não será igual ao dos Estados Unidos, da Inglaterra ou da França. É como Visconde de Uruguai dizia: “Temos de ter um ecletismo esclarecido”, ou seja, aprender com o que há de melhor dos pensadores estrangeiros, das instituições estrangeiras, mas adaptar esses ensinamentos tanto teóricos quanto práticos à nossa realidade. O Brasil já fez isso no século 19, com o café. Trata-se de uma planta africana, mas que acabou se adaptando ao país e foi nossa maior fonte de riqueza durante mais de cem anos. A mesma ideia deve ser aplicada às instituições. Temos de gradativamente alcançar um consenso sobre os princípios universais, que envolvem a religião cristã, a filosofia grega e o Direito romano, mas há uma herança de Lisboa que precisamos redescobrir, nossa tradição portuguesa. É a ideia do português que chega aos trópicos e, pela miscigenação, cria uma civilização.

Qual foi o período histórico em que a política conservadora mais prosperou no país?

No Império Luso-Brasileiro, sem dúvida. Existia tensão entre os integrantes da Coroa e os políticos, mas isso é parte do processo. O ponto mais importante, contudo, é que no Império havia respeito pelo sistema representativo. Naquela época, possuíamos a Constituição de 1824, a mais estável de nossa história. Além disso, a representação política funcionava porque existiam partidos sólidos, diferentemente do que acontece nos dias de hoje, com as legendas. Antes, havia agendas doutrinárias, formação de estadistas. Atualmente, não temos mais isso.

Como o senhor avalia a nova direita brasileira, que surgiu especialmente depois do impeachment de Dilma Rousseff?

Penso que a nova direita brasileira surgiu ainda em 2014, durante a reeleição de Dilma Rousseff. Depois, ganhou força nas manifestações de rua. Esse movimento se dá, em grande parte, por uma coalizão de grandes grupos — evangélicos, antipetistas, liberais, conservadores e libertários. No caso brasileiro, o que moveu a direita foi o antipetismo. Todos se uniram contra a corrupção sistêmica praticada pelo PT. Esse movimento conseguiu eleger um presidente, Jair Bolsonaro. Depois, como é natural na política, houve dissensões. Mas isso faz parte da dinâmica. A tendência é que, com a maturação e a experiência prática, haja crescimento. Isso também aconteceu nos Estados Unidos, quando surgiu o movimento conservador, que elegeu Ronald Reagan, em 1980, e Donald Trump, em 2016. No caso norte-americano, a aliança foi formada por três grupos distintos, cada um com uma pauta específica. Primeiro, os libertários, guiados por Friedrich Hayek, Ludwig von Mises e Ayn Rand, com foco nas críticas ao intervencionismo estatal na economia. Segundo, formado por anticomunistas, preocupados com a defesa externa, com o avanço da União Soviética e com a infiltração de espiões comunistas nas universidades, na imprensa, nos meios de cultura e no governo. Terceiro, formado por tradicionalistas, que são voltados a questões culturais.

O que a nova direita brasileira tem a aprender com os fundadores do conservadorismo brasileiro?

A ter uma visão mais humilde. Todos erramos, e minha vertente agostiniana atenta para isto: todos somos pecadores. A base do conservadorismo é a crença na imperfectibilidade humana. Todos nós, enquanto indivíduos, somos imperfeitos. Logo, os sistemas políticos serão imperfeitos, porque trazem essa marca do Pecado Original. Precisamos ser menos críticos aos erros, tanto dos nossos pensadores e jornalistas quanto dos nossos políticos. Há que se ter uma visão prudente na política, entender que aquele do qual discordamos não é nosso inimigo. Percebo haver ainda um certo purismo político, mas isso acontece em movimentos que estão na fase da adolescência. Muitos libertários, liberais e conservadores são jovens, e isso é bom, mas também traz consigo a imaturidade. Como o escritor inglês G. K. Chesterton dizia, a tradição é a escola que nos ensina com nossas quedas ou tropeços a levantar e continuar caminhando. Então, a própria prática vai maturar esse processo.

Quais atitudes precisam ser tomadas para maturar mais rapidamente esse processo?

Na época do impeachment de Dilma Rousseff, surgiu o lema “Menos Marx, Mais Mises”. Eu, particularmente, defendo outra ideia: “Menos Visconde de Sabugosa, Mais Tio Barnabé”. O intelectual é o Visconde de Sabugosa, aquele sabugo de milho que foi posto numa biblioteca, leu demais e, quando foi pôr em prática suas ideias, quase nunca deu certo. A grande sabedoria vem do Tio Barnabé, aquele homem do campo, simples, que tem o senso comum. Ele tem a tradição real, não a teoria. É o tiozão do churrasco. É o povo brasileiro. Temos de ser conservadores não apenas na alta cultura de Russell Kirk ou Roger Scruton, mas precisamos resgatar nosso conservadorismo no samba de Cartola, no baião de Luiz Gonzaga, nos contos tradicionais de Câmara Cascudo. E, enfim, descobrir nossa brasilidade. A leitura de livros de história é importante; a literatura, a música, a filosofia — tudo isso é importante. Acima de qualquer visão teórica, porém, está o redescobrimento do Brasil real, profundo. Então, precisamos sair do WhatsApp e do Instagram e encontrar o homem comum, em especial do interior. O homem do interior, geralmente, é conservador. O Brasil cresce economicamente graças ao agronegócio, ao homem que está ligado à terra. Precisamos saber conversar com essas pessoas.