Samba do senador doido - Por Chico Alencar

28/02/2017 01:34
Samba do senador doido
chico alencar
Por Chico Alencar
 
O jornalista Sérgio Porto (1923-1968), que se assinava Stanislaw Ponte Preta, era um craque na ironia. Um carnavalesco e tanto. Assim, compôs o “Samba do Crioulo Doido”, de imenso sucesso em 1966: “Foi em Diamantina/ onde nasceu JK/ que a Princesa Leopoldina/ arresolveu se casar/ Mas Chica da Silva/ tinha outros pretendentes” e vai por aí, abilolada. Hilário! Ele fustigava a Ditadura, que queria impor às Escolas de Samba enredos com narrativas da História oficial. Se fosse hoje, Lalau seria questionado pelo título da música, não pela letra.
 
Lembrei desse samba ao conhecer o discurso do senador Romero Jucá (PMDB/RR), na semana que antecede o carnaval, criticando a “perseguição da imprensa” e fazendo digressões históricas.
 
Sua Excelência, que é inteligente, assertivo e pragmático, pisou no tomate. Comparou sua situação de investigado na Lava-Jato a eventos históricos marcantes. Com toda a impropriedade, misturando alhos com bugalhos.
 
Jucá aproximou-se das vítimas da nada santa Inquisição, na Idade Média, esquecendo-se que a “caça às bruxas” era mesmo, quase sempre, às mulheres (menos de ¼ dos que foram para as fogueiras eram homens), acusadas de feitiçaria, heresia e pecados demoníacos da carne. Homem do poder, forte em todos os governos, o senador não cabe nessa similaridade.
 
Seguindo na visita à História, o parlamentar de Roraima chegou à Revolução Francesa... por vias tortas. Disse que a guilhotina sumária derivava do clima de ‘J´accuse!’ (não a banheira, atenção!) da época. Só que o libelo ‘J´accuse!’, de Émile Zola, referente ao rumoroso Caso Dreyfus, de injusta perseguição, é de 1898, em plena Terceira República. Escrito mais de um século depois da Revolução, portanto.
 
Por fim, Jucá chegou ao nazismo. Pontificou: “a cruz de Israel era pregada nos judeus”. Referia-se aos marcados para morrer no Holocausto. Só que esses tinham gravadas como identificação para o extermínio a estrela de Davi – “cruz de Israel” nunca existiu.
 
Além do mais, aproximar essa tragédia produzida pelo totalitarismo ao desconforto dos denunciados pelo desvendamento do conluio público-privado, que se evidencia na vida brasileira atual, é um rematado absurdo.
 
Romero Jucá, que nas delações da Odebrecht é o Caju (taí uma fruta que recupera de excessos momescos), devia moderar sua ansiedade e não entrar em seara com a qual não tem intimidade. A não ser que, só de brincadeira, queira compor um samba aproveitando a música do saudoso Stanislaw (apesar de declarar-se fã da polifonia dos Mamonas Assassinas): “Foi na Idade Média/ onde nasceu a Inquisição/ que começou minha injusta e cruel perseguição/ Mas na Revolução Francesa/ a guilhotina pescoços cortou/ e, sem qualquer critério,/ um século depois me vitimou...”
 
Evoé, Momo!
 
Romero Jucá (Foto: André Dusek / Estadão / AE)
Romero Jucá (Foto: André Dusek / Estadão / AE)
Romero Jucá (Foto: André Dusek / Estadão / AE)
 
 
 
Fonte: Blog do Noblat - O Globo